Quando a constituição brasileira diz ser “assegurado o livre exercício dos cultos religiosos”, está afirmando, em outras palavras, que vivemos num estado leigo. Mas nem sempre foi assim.
A situação jurídica dos não-católicos no Brasil Império deparava com o artigo cinco da Constituição de 1823: “A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império”[42]. Apesar da tolerância, as reuniões de culto seriam realizadas “em casa para isso destinadas sem forma alguma exterior de templo”.
Com o passar do tempo, a proibição foi afrouxando-se até que o Governo provisório Deodoro da Fonseca, no Art. 1°, proibia às autoridades federal e estadual qualquer religião oficial, e o Artigo 2 dizia que “a todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto”[43]. Enfim, oficialmente a liberdade religiosa no Brasil. Bem, oficialmente, não de fato, porque a igreja católica nunca concordou com a constituição que definia o estado leigo com liberdade religiosa. Posteriormente, houve uma proposta de emenda constitucional, em 1925, visando tornar o catolicismo novamente a religião oficial do Brasil[44].
O historiador Zaqueu Moreira de Oliveira conta que, após a República estabelecida e instituída a separação da igreja do Estado, “a aparente derrota da igreja romana, entretanto, terminou por encorajada a estabelecer formas de hostilidade e agressão contra os batistas com o intuito de emperrar seu progresso e impedir que eles conseguissem novos adeptos[45]”. Informa ainda que, na década de 1960, templos evangélicos eram atacados por fiéis católicos, apesar de que, nas cidades, a perseguição diminuíra em intensidade.
Hoje, nós vivemos sob regime de liberdade religiosa, num Estado leigo. Não entendemos a separação da igreja da esfera pública com bases humanistas com o fim de oprimir a “expressão religiosa” como nos países sob tutela da ex-União Soviética. Porém cremos que a separação se deve ao ensinamento global do Novo Testamento e resumido nas palavras de Jesus: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Por isso, a luta histórica dos batistas não é para livrar-se da religião mas, sim, liberar todas as pessoas para a religião da sua devoção, inclusive para o agnosticismo e ateísmo. Os batistas entendem que a liberdade de culto só pode ser satisfatória num Estado leigo. Segundo a compreensão dos batistas, “igreja e Estado são ordenados por Deus e responsáveis perante ele”, cabendo “ao Estado o exercício da autoridade civil, a manutenção da ordem e a promoção do bem-estar público”. Ainda mais: “O Estado deve à igreja a proteção da lei e a liberdade plena, no exercício do seu ministério espiritual”.
Em contrapartida, “a igreja deve ao Estado o reforço moral e espiritual para a lei e a ordem, bem como a proclamação clara das verdades que fundamentam a justiça e a paz (...) A igreja deve praticar coerentemente os princípios que sustenta e que devem governar a relação entre ela e o Estado”.[46]
Diante dos fragmentos acima, podemos chegar a algumas conclusões acerca da separação entre igreja e Estado.
Primeira, ao Estado cabe apenas a preservação da lei e da ordem para todos os cidadãos, independentemente de sua convicção filosófica, política e religiosa. A imposição do feriado religioso a todos os brasileiros, em 12 de outubro, dedicado à “senhora Aparecida”, mostra ainda a ligação umbilical entre religião católica e o Estado laico brasileiro. O mesmo erro aconteceria se, numa hipótese, um presidente batista, apoiado por uma bancada de maioria evangélica, criasse leis favorecendo interesses evangélicos.
Segunda, aos cristãos cabe obediência às leis do país, desde que estas não conflitam com a consciência cristã. Devemos orar pelas autoridades, participando, dentro dos princípios bíblicos, da construção de uma sociedade mais ética e justa. Para tanto, a igreja, fazendo ecoar as vozes dos profetas, deve proclamar as “verdades que fundamentam a justiça e paz”. Coerentemente com sua pregação, nós, cristãos, devemos viver conforme pregamos sendo, assim, “sal da terra” e “luz do mundo”.
Finalmente há o perigo rondando o princípio da separação entre a esfera estatal e eclesiástica quando uma igreja, mediante intercessão de parlamentar evangélico, solicita terreno para construir templo[47]. A menos que haja cooperação entre órgão público e a igreja objetivando atividade social na comunidade em que se insere, entendo que a expansão da igreja e seu crescimento material deve provir unicamente das contribuições voluntárias, nunca dos cofres públicos.
Se a igreja aceita favores do Estado, com que voz ela poderá exercer sua independência e soberania? Com que autoridade poderá denunciar a imoralidade e a injustiça da classe política? Muitos líderes evangélicos do passado denunciaram o favorecimento oficial à igreja católica no Brasil, antes da proclamação da República e depois quando o catolicismo continuou “religião oficiosa”. Hoje, dirigentes evangélicos, que se tornaram parlamentares, passam por cima do princípio da separação das duas esferas e, no Congresso Nacional, reivindicam leis favorecendo exclusivamente evangélicos ou simplesmente a denominação que representam. Até acredito que parlamentares pastores até gostariam de ter sua denominação como a religião oficial do Estado Brasileiro.
Nota: Este é um extrato de Princípios e doutrinas batistas por Roberto do Amaral Silva, pg. 28-30
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[42] REILY, Duncan A. História documental do protestantismo no Brasil. São Paulo: Aste, 1984, p.28.
[43] Op. cit. p. 226.
[44] Idib. p. 228.
[45] OLIVEIRA, Zaqueu Moreira de Oliveira. Perseguidos, mas não desamparados, 90 anos de perseguição religiosa contra os batistas brasileiros. Rio de Janeiro: JUERP, 1989, p. 14.
[46] LANDERS, John. Teologia dos princípios batistas. Rio de Janeiro: Juerp, 1986.
[47] Existem igrejas que até pedem material para construção de templo, mediante via ilegal. Não seria participar de corrupção, com desvio de verba?
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