Igreja evangelística e missionária



Esse importante princípio também pode ser denominado de o “princípio bíblico da grande comissão”, com base em Mateus 28.18-20. Normalmente evangelho e ação missionária não são analisadas freqüentemente sob a ótica de um princípio batista. Justo Anderson, no seu estudo “Enfocando sete princípios batistas”, inclui como sétimo o “princípio evangelístico – O evangelismo pessoal e a obra missionária”, justificando: “Nenhum estudo dos princípios batistas pode terminar sem uma consideração do princípio evangelístico com seu corolário missionário”[57]. O princípio batista da igreja missionária enfatiza que cada cristão, obediente ao “ide” de Jesus e no exercício do “sacerdócio universal dos crentes”, deve ser uma testemunha de Cristo e um proclamador do evangelho, e cada igreja como participante do empreendimento missionário. Os batistas ensinam que “o evangelismo é a proclamação do juízo divino sobre o pecado, e das boas-novas da graça divina em Jesus Cristo”, assim como missões “é a extensão do propósito redentor de Deus através do evangelismo e do serviço cristão além das fronteiras da igreja local”[58].

É necessário saber, de imediato, que o propósito evangelístico e missionário da igreja origina-se no próprio Deus. Quando do pecado do primeiro homem e da mulher, o Criador os procurou na situação em que se encontravam e, não concordando com a iniciativa deles ao se cobrirem com “folhas de figueira”, fez “vestimenta de peles para Adão e sua mulher e os vestiu”. Está aqui a primeira ação missionária de Deus buscando o homem no pecado e agindo a favor dele. A ação de Deus em prover-lhes “vestimentas de peles” implicou a morte de um animal para cobrir o pecado humano. Ali já estava o princípio divino: “sem derramamento de sangue, não há remissão” (Hb 9:22).

Mostraremos apenas algumas passagens que mostram o interesse de Deus em abençoar e salvar toda a humanidade. Deus, ao chamar Abraão, fez dele um grande povo no qual “serão benditas todas as famílias da terra (Gn 12:3)”. No Salmo 2, de conteúdo messiânico, onde o Pai diz ao Filho: “Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por possessão” (v. 8), fica bem clara a intenção divina de ter seu reino expandido por toda a terra. Também no Salmo 96, o salmista declara: “Anunciai entre as nações a sua glória, entre todos os povos, as sua maravilhas” (v. 3), isto é, as bênçãos e a salvação divinas.

O profeta Isaías igualmente anunciou: “O Senhor desnudou o seu santo braço à vista de todas as nações; e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus” (Is 52:10). E Joel deixou claro o propósito de Deus para a humanidade ao declarar: “Acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne. E há de ser que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo (Jl 2.28-32). Pedro, séculos depois, em Jerusalém, refere-se a essas palavras de Joel, mostrando seu cumprimento naqueles milhares de ouvintes que representavam povos de várias partes do mundo conhecido, núcleo da universalização do evangelho aos quatro cantos do mundo, em cumprimento ao “ide” e “fazei discípulos de todas as nações” de Jesus. O propósito missionário de Deus chega ao clímax anunciado em Apocalipse 21:3: “Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles”.

O propósito de Deus em ter um povo “de todas as nações, tribos, povos e línguas” toma corpo em Cristo que “veio buscar e salvar o perdido”. Para isso pregou, ensinou com palavras e manifestação de poder, morreu e ressuscitou dos mortos “depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade nas alturas” e, tornando-se “o Mediador da nova aliança” entre Deus e os que a ele recorrem.

Antes de subir aos céus, no entanto, Jesus delegou aos seus discípulos contemporâneos e aos futuros com a seguinte ordem: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra, ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos (Mt 28:18-20). O que Jesus está dizendo é, em outras palavras, o seguinte: “O Pai me deu autoridade total no estabelecimento do seu reino. Agora, eu delego a vocês a tarefa de expandi-lo em toda a terra, fazendo novos discípulos por onde quer que vocês estejam, entre todos os povos e etnias. Ao ensinarem a eles todas as coisas que vocês já aprenderam de mim e que eu ordenei que praticassem, batizem-nos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E não fiquem preocupados com o que der e vier, porque eu estarei sempre com vocês, não com minha presença física mas, sim, na pessoa do Espírito Santo que estará permanentemente até o fim da história, dando-lhes assistência e poder espiritual para a tarefa delegada por mim a vocês. Não há como haver falha. Eu garanto”.

Desejo, agora, fazer duas considerações pormenorizadas do “fazei discípulos de todas as nações”. A primeira diz respeito ao âmbito universal da pregação do evangelho e do discipulado. “Nações”, no original grego, é “éthne” (donde vem etnia, étnico). Portanto, a missão da igreja cristã abrange todos os povos e grupos étnicos, com toda variedade cultural e religiosa. Muitos hoje, inclusive alguns cristãos, influenciados pela maré pós-modernista, alegam que a igreja não deve se preocupar em levar o evangelho aos povos de outros cultos. Afinal, dizem, todas as religiões são válidas, porque são expressões diferentes de adoração ao mesmo Deus (ou deuses). Assim, Javé, Baal, Krishna, Alá e Buda são vários nomes para a mesma divindade. Igualmente, não se deve pregar a ninguém de outro credo. É a filosofia do “cada um na sua” e o conceito de que evangelizar uma pessoa é impor um ponto de vista religioso a alguém, já que todas religiões são iguais e boas, como reza o credo do pluralismo pós-moderno. Entretanto, ignorando o pluralismo daquela época e de hoje, a ordem de Jesus é: “sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judeia (judaísmo) e Samaria (do culto samaritano) e até os confins da terra (de todos os cultos e credos)”. Não é preconceito religioso o cristão proclamar que Deus “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade. Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1 Tm 2:4-5).

A segunda consideração refere-se ao mandamento: “ensinando-os a guardar todas as coisas”, nas palavras de Jesus. Há grupos religiosos que usam a Bíblia em suas reuniões, mas não são cristãos nem creem em Jesus evangelicamente. Elogiam os ensinos de Jesus, mas só o que interessa ao ponto de vista religioso que professam.

Igualmente, igrejas evangélicas existem que pregam aquilo que Bonhoeffer chamou de “graça barata”, como declarou: “A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congregação, é a ceia do Senhor sem confissão dos pecados (...) A graça barata é a graça sem discipulados, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado”[59].

Hoje temos visto a proliferação de pregadores que têm pregado um “evangelho facilitado”, na expressão de Almir dos Santos Gonçalves Júnior, que denuncia em “denominações ou seitas ditas evangélicas as pregações sobre a prosperidade, o bem-estar, a grande sorte, a solução para o desemprego, a resposta para as dificuldades ao relacionamento pessoal, a felicidade na vida conjugal, o remédio para o problema com os filhos ou com os pais, enfim, tudo de bom, sem exigências ou renúncias, para aquele que se diz crente em Jesus”[60]. No mesmo tom, diz o pastor Isaltino Gomes Coelho Filho: “E infelizmente, até mesmo boa parte da pregação evangélica não é para criar temor de Deus, e levar as pessoas à retidão, mas é uma pregação que oferece bênçãos e prosperidade para quem frequenta determinada denominação”[61].

Nota: Este é um extrato de Princípios e doutrinas batistas por Roberto do Amaral Silva, pg. 32-
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[57] ANDERSON, op cit, p. 101.
[58] LANDERS, John. Teologia dos princípios batistas. Rio de Janeiro: Juerp, 1986, p. 18 e 20.
[59] BONHOEFFER, Dietriech. Discipulado. São Leopoldo, RS: Ed. Sinodal, 1980, p. 10.
[60] GONÇALVES JÚNIOR, Almir dos Santos. Quando o púlpito perde o poder. Rio de Janeiro: Juerp, 1998, p. 37.
[61] COELHO FILHO, Isaltino Gomes. Os profetas menores. Rio de Janeiro: Juerp, 2002, p. 26.

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